terça-feira, 24 de agosto de 2010

Políticas Públicas, Nutrição, Publicidade e Responsabilidades

Karoline Cruvinel e Marcella Chaves
A entrevistada de hoje é a professora Doutora Anelise Rizzolo de Oliveira Pinheiro, formada na Universidade Federal de Pelotas – UFPel - RS, atualmente professora do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília – UnB e pesquisadora associada do OPSAN/UnB. Possui mestrado em Saúde Pública e doutorado em Política Social na UnB. Profissional ativa e curiosa às crescentes mudanças dos programas e dos movimentos sociais, sempre teve inclinação para Nutrição Social e Saúde Pública, com um carinho especial pelo ambiente universitário.


Dentre idas e vindas entre Brasília e o sul do país, sempre acompanhada pelo marido, decidiu que o seu lugar era em Brasília, cidade pela qual diz ser apaixonada. Além de lecionar na UnB, trabalhou no Ministério da Saúde na Coordenadoria Geral da Política de Alimentação e Nutrição.

Em uma conversa muito descontraída, a entrevistada fala sobre a relação entre o estado, a indústria e sociedade em relação às políticas públicas de saúde e de nutrição do país, além de questionar algumas mudanças e mostrar que políticas públicas envolvem muito mais do que se pensa.


Dentre as políticas públicas de nutrição, qual o tema mais polêmico/interessante?

Tudo que é falado de nutrição dentro de políticas públicas tende a ser polêmico, pois o alimento e a alimentação hoje são vistos como uma mercadoria qualquer, virando um nicho de mercado que visa a competição e o lucro, o que é um absurdo. Algo que acredito ser muito polêmico e que me chama bastante atenção nesse cenário atual está ligada a regulamentação da publicidade de alimentos.


Quando se fala de publicidade e marketing de alimentos, acho que existe um desrespeito enorme das mídias em geral, em que tudo é voltado para proteger à saúde em nome de gerar lucro. De certa forma, acho que se instalou um quarto poder no mundo e no Brasil, poder que acha que pode tudo e não respeita Estado, valores e família, tudo em nome da acumulação de capital. Uma das coisas que eu mais me preocupo em alertar os meus alunos é tentar mostrar que somos enganados o tempo inteiro. Então precisamos despertar para ter uma consciência crítica deste processo.


Qual exemplo você poderia nos dar sobre desrespeito na publicidade de alimentos?

As diversas propagandas mentirosas veiculadas na mídia diariamente são um exemplo. É um crime contra a população veicular mensagens enganosas. Nos submetemos a coisas que nos ferem e violam nosso direitos como cidadãos todos os dias e não percebemos, sendo arrastados pela má informação ou dês-infomação. Diferente do que se pensa, essa questão não está ligada somente ao livre arbítrio, mas também às políticas públicas de nutrição.

Outro exemplo são as gôndolas de supermercado perto dos caixas para pagamento, que induzem às crianças/filhos a comprarem produtos desnecessários. Em países escandinavos é proibido um supermercado ter esse tipo de gôndola, pois há proteção à pessoa e não à empresa. Acredito que as pessoas devem ter consciência e a capacidade de dizer que prefere isto ou aquilo, ou seja, de escolher, mas sabendo o que acarretará a sua escolha. Atualmente, a mídia, como representante dos interesses das industrias de alimentos, joga para a sociedade uma responsabilidade que deve ser em grande parte sua. Não podemos ficar brincando de “gato e rato o tempo todo, sociedade e mercado e vice – versa.


As políticas de saúde e nutrição se relacionam intensamente com isso, visto que a criação de uma política acontece devido a carência ou desequilíbrio em alguma parte do processe da cadeia alimentar. Por exemplo, o programa nacional de suplementação de ferro (política pública de nutrição onde há suplementação de ferro medicamentoso e enriquecimento da farinha de trigo e milho com ferro e ácido fólico). O modelo de alimentação industrializada , o tipo de alimento consumido e até o padrão de nutrientes no solo que se produz o alimento hoje mudaram e com ele surgiu a necessidade de ”suplementar/compensar e/ou adicionar por exemplo, ferro aos alimentos (no caso das altas preval6encias de anemia no grupo materno – infantil). Por isso digo que tudo está interligado: dieta, políticas públicas, publicidade e até a escolha de determinado alimento.

Mas porque devemos achar normal e aceitar esse modelo de progresso que está levando a humanidade à obesidade e às doenças crônicas ligadas à alimentação? Porque não podemos escolher outro modelo? Porque devemos culpar as pessoas por isso? Não é o progresso que está errado. Não existe somente um modo de gerar progresso. O progresso pode ser fruto de um modelo de desenvolvimento mais justo, equitativo e sustentável, por que não ??? Porque as gerações futuras não podem avançar nisso? Se mais pessoas pensarem diferente, outras formas começarão a ser discutidas. O consumo sustentável, por exemplo, é um modelo que admite necessidade do consumo, mas estabelece limites e uma dinâmica circular /espiral dos processo produtivos para preservar o meio ambiente e promover saúde.

O que você considera mais importante como meta para a saúde pública e a nutrição para os próximos anos?
O mais importante é que o Estado, a indústria e a sociedade assumam conjuntamente responsabilidade sobre as políticas públicas, e estabeleçam um pacto sério. E que os objetivos das políticas sejam mais ousados, pois a própria Política Nacional de Alimentação e Nutrição está distante do que deveria, já que possui pouca representatividade no cenário político.

O embate de regulamentação da publicidade, que foi aprovada, fez a indústria se voltar contra o Ministério da Saúde. Esse tipo de situação revela a preocupação do mercado unicamente com seus interesses. Por um lado, o Ministério da Saúde compreende a necessidade de lucro da indústria, por outro lado, é preciso que a indústria entenda a necessidade de promover/produzir a saúde. Então, é preciso haver flexibilidade dos dois lados, ambos precisam fazer concessões, o que é negado pela indústria, que não quer perder sua lucratividade.

Caso contrário, serão feitos pequenos ajustes, e até pequenas mudanças acontecerão, porém de forma lenta e com impacto social imperceptível. É preciso impedir que o mercado consiga sempre vitória em relação aos cidadãos, que arcam com o maior prejuízo.


Qual seria a função da sociedade nessas mudanças?

Nesse meio, a função da sociedade é reconhecer e assumir sua responsabilidade, acreditar na sua capacidade de mudança e de gerar resultados, uma vez que polemizar e reivindicar por direitos causam impacto, para que assim as empresas reconheçam e assumam sua responsabilidade e se modifiquem.